16.6.08

Sentido Ausente

Ultimamente coisas estranhas estão acontecendo comigo. Algumas não muito boas. E sempre que possível eu coloco a culpa no cosmos. Realmente dá vontade de rir quando listo as mais curiosas e mais "ilusitadas" situações que tenho vivido nos últimos dias. E, desta vez, literalmente fiquei cego por 4 dias. Foi de repente. Perdi a visão, e o mundo escureceu-se.

No primeiro dia foi aquele impacto. Esbarrava em tudo tentando caminhar pela casa. Olhos ardendo. Vontade de gritar. "Estou perdendo minha prova de Finanças", "culpa daquela vizinha que jogou 'creolina' na rua p'ra 'detetizar' o caminho". Sou alérgico, alérgico a qualquer produto que contenha ácido sulfídrico.

Qualquer fiapo de luz me ofuscava. As frestas de luzes que saíam da porta fechada me atormentavam. Até o visor do celular me levou aos gritos de dor na manhã do segundo dia quando fui ver que horas eram. Desesperado, esperando as vistas melhorarem pelo menos um pouco, me preparava para ligar p'ra minha médica. Até que de repente, a magia aconteceu.

Percebi algo diferente comigo. Deixei a televisão sem brilho e, sem perceber, eu "assisti" a um filme inteiro apenas ouvindo os sons e os diálogos. Levei apenas alguns minutos para decorar todos os botões do meu controle-remoto, algo que não tinha feito até recentemente.

Eu conseguia identificar todos os objetos que minha mãe manuseava na cozinha, apenas ouvindo o barulho. Comecei a sentir como nunca o cheiro da comida sendo preparada. Eu podia adivinhar cada ingrediente do almoço apenas pelo olfato. O paladar, apurado como nunca, me fez identificar melhor os detalhes que eu não "enxergava" ao saborear antes.

E, a noite, estava afim de ouvir algumas músicas minhas, entre elas algumas clássicas. Aumentei o volume do meu "ampli" já esperando algo diferente. E foi o que aconteceu. Conseguia perceber com clareza cada nota, cada acorde, cada bemol, cada detalhe da melodia. Passei a gostar até mesmo daquela música que não "via" graça nenhuma. As ondas sonoras pairavam pela casa escura.

Já nos últimos dias, tinha o mapa da minha casa inteira na mente. Sabia ir da cozinha ao banheiro em segundos. Lógico, que tropecei numa cadeira no meio da sala. Com a canela doendo, pensei "mudaram de lugar durante a noite".

No último dia comecei a sentir saudades. Saudades das cores. Parecia que tudo fazia sentido com elas. E isso não dava p'reu imaginar com olhos fechados. É realmente difícil imaginar o azul, amarelo, verde, vermelho etc. A cor é o elemento principal dos sentidos. Até que, enfim, elas retornaram como nunca na manhã do quinto dia. E fui dando adeus ao preto.

Caminhando pela rua, com um sorriso idiota no rosto, diante de muito barulho, fumaça dos ônibus, gritaria, notícias sensacionais nos jornais, buzinas, sirenes... comecei a fazer parte novamente deste mundo cinza. O sorriso se desfez, meus olhos se fecharam... tentando não acreditar no que eu estava vendo... tentando acordar desse mundo sombrio.

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Texto publicado por minha pessoa no blog Segredo Social em Setembro de 2007.

Um pouco grande, mas gostei tando que trouxe à Insaminus.

Um comentário:

˙·٠•● ѕεறிoτιvo ◦ disse...

Puxa Lóginus, que experiência fantástica! Lógico que tem seus p´ros e contras. A gente deixa passar muita coisa da nossa vida. Wuase não damos valor. Todos os sentidos juntos parecem vetores que se anulam. Foi isso que passou por minha mente

Muito bom ler esta sua experiência. Me deu uma vontade de colocar uma venda nos olhos.

Grande beijo e não some não hein... rsrs

Ray

Ah! Adorei seu último comentário. Muito boa metáfora! ^^